Sim, as pessoas choram na consulta nutricional. E é um excelente ponto de virada para uma mudança transformadora.
Chorar é um alívio dramático que expõe toda carga negativa que a comida pode representar. Amo comer, como muito, costumo exagerar, principalmente no que não devo. Comer é um dos únicos prazeres que tenho hoje em dia. Mas também odeio a comida pois ela é a causa do corpo que detesto ter, que sinto vergonha de mostrar, e que invejo nas pessoas com IMC de magros que podem ser felizes vestindo as roupas que quiserem e serem sempre lindas. O corpo de quem come além do que deve merece apenas roupas largas, e não é digno de ser mostrado, muito menos na praia, piscina ou academia.
Chorar expõe uma vulnerabilidade tão verdadeira que também costumo me emocionar junto com os pacientes, sobretudo pela que confiança que recebo neste gesto tão singelo. Sinto que estou lidando com uma pessoa tão frágil quanto eu, com dificuldades aparentemente simples com a comida, mas que acoberta crenças, valores e relações extremamente difíceis e profundas. Não é sobre calorias, açúcar ou orgânicos, é sobre o nosso aprendizado silencioso e subjetivo do significado que a comida tem para cada um de nós. O psicanalista Paulo Gaudêncio, em uma de suas exposições no antigo programa Café Filosófico, exemplifica a dificuldade de abrir mão de um prazer imediato em prol de um bem-estar em longo prazo com o dilema “dieta x bomba de chocolate”, chamando esse processo de maturidade. Mas será que é apenas isso?
Quando percebo uma relação conturbada com a comida, costumo fazer um exercício simples no consultório chamado O Jogo das Palavras. Me inspirei nesse jogo a partir do estudo Attitudes to Food and the Role of Food in Life in the U.S.A., Japan, Flemish Belgium and France: Possible Implications for the Diet–Health Debate do pesquisador Paul Rozin, que identificou, dentre outras coisas, que a forma como enxergamos a comida determina o quanto comemos dela. De forma muito simplificada, podemos fazer uma pergunta: das 3 palavras a seguir, qual delas não faz parte do grupo (isto é, não combina com as outras duas?). As palavras são: pão, carboidrato e manteiga. Não há uma resposta certa, mas assume-se que as pessoas que excluem a palavra manteiga associam pão com carboidrato, o que pode-se chamar de associação nutricional. Já quem exclui a palavra carboidrato associa pão com manteiga, uma associação culinária. De forma geral, os americanos fazem mais associações nutricionais e os franceses mais associações culinárias. Coincidência ou não, os americanos são o povo com maior índice de doenças crônicas do mundo, e ao mesmo tempo os maiores publicitários e consumidores de produtos low-fat, low-carb, gluten-free, e uma infinidade de coisas que reforçam a visão nutricional e científica da comida. Já reparou que os Estados Unidos não têm um prato que os representa, uma cultura gastronômica? Quando pensamos no prato típico americano provavelmente lembramos do fast-food, que simboliza a cultura descartável e imediatista, muito mais pobre do ponto de vista gastronômico do que as culinárias francesa, japonesa e brasileira. Já os franceses tendem a ser mais magros e saudáveis consumindo regularmente baguete, croissants cheios de manteiga com gordura saturada, chocolate com açúcar e bebem muito vinho – e tentam explicar o paradoxo francês resumindo o baixo índice de doenças cardiovasculares nessa população à uma causa puramente nutricional: são os flavonoides do vinho os salvadores da pátria. Não, não são. Enxergar a comida com positivismo e neutralidade é crucial para comer menos, com prazer, sem culpa, e como consequência estar saudável.
Contei essa história para ilustrar um dos momentos em que as pessoas choram no consultório. Quando elas percebem o quanto foram induzidas a acreditar na mentira de que estar acima do peso é apenas uma questão de calorias, e passaram a vida toda pensando como os americanos. O quanto elas ouviram de seus pais que estão gordinhos porque são sem-vergonha. O quanto elas ouviram dos médicos que precisam emagrecer senão não precisam nem voltar. Culpando-se e punindo-se por não conseguirem ser magros, gastando fortunas em promessas passageiras, e invejando o magro que come de tudo e não engorda. Lutando para ter um corpo que traga felicidade, porque o que tem hoje é um poço de infelicidade, frustração e falta de amor próprio. Eu, como nutricionista, me emociono junto com os pacientes porque vejo nas lágrimas um começo de mudança e sei, simplesmente sei, que essa transformação não tem volta.
O que me agradou, é saber que um dia eu tive a oportunidade de estar ao seu lado como paciente, um amigo e um vencedor. Depois de alguns meses ouvindo suas palestras dentro da empresa (Unimed) eu compreendi que podemos ser felizes comendo certo, sem exageros, consegui reduzir 20kg, comecei a frequentar academias, embora ainda com alguns quilinhos acima do esperado, estou com a saúde em dia, todos os indicadores estão apontando para o ideal, e o principal, a pressão que era quase 17/15 hoje não sai dos 12/8. Obrigado Lia
Oi Lia,
Sou a Fabi que treinava com você na Cris.
Quero te parabenizar pelo artigo, tão verdadeiro e sensível ao compreender a jornada de tantas pessoas que lutam contra o peso.
Me fez pensar que a educação nutricional deveria fazer parte da grade curricular das crianças, assim com a educação física… Afinal, deveriam cumprir o mesmo objetivo.
Um grande beijo,
Fabi