A área da saúde é permeada de protocolos clínicos, mas tenho questionado o quanto eles engessam os atendimentos nutricionais. Os protocolos servem para padronizar as condutas de acordo com as doenças e condições dos pacientes, algumas vezes são representados por algoritmos como no exemplo abaixo, mas sem levar em conta o estágio de mudança em que o paciente se encontra.
Essa padronização é importante, afinal é uma forma de uniformizar as condutas, comparar resultados e propor melhorias. No entanto, a interpretação literal desse algoritmo diz que todas as pessoas com IMC maior do que 30 kg/m² que não perderem peso satisfatoriamente em 2 anos devem passar pela cirurgia da obesidade. Será mesmo? Quantas pessoas com obesidade você conhece que tentaram várias vezes perder peso e permanecem anos no efeito sanfona, ou que nem tentam pois não acreditam mais que é possível? E quantas delas estão de fato prontas para se submeter à uma cirurgia desse tipo?
Os protocolos clínicos deveriam basear-se também no estágio de mudança para hábitos de vida do nosso cliente. Um dos pontos mais importantes é identificar: ele está de fato pronto para mudar? Se não, o que falta? Se sim, como manter a mudança? Partindo do princípio de que muitas pessoas não estão ou não se sentem prontas para mudar de forma efetiva e sustentável, centrar a abordagem em simplesmente seguir protocolos não faz sentido. Na faculdade somos ensinados a seguir diretrizes e manuais para o tratamento de doenças, e já acompanhei atendimentos onde os nutricionistas tinham que seguir um protocolo tão fechado com os pacientes que me sentia até envergonhada. O paciente vindo pela primeira vez na consulta depois de ter descoberto que tinha diabetes tipo 2, a nutricionista entregou uma dieta impressa com anotações à mão com o que ele podia ou não comer para sempre, anexada a uma lista de alimentos proibidos e permitidos, sendo que a maior parte do que ele disse que comia estava no proibido. “Ah, mas a partir de hoje não pode mais Sr. Fulano, é só adoçante, sem pão, sem doce e tem que começar a caminhar também, viu? Está aqui anotado tudo o que o senhor pode comer, tá bom? Até o mês que vem.”
Sempre pensei que protocolos engessados emburrecem as pessoas, pois elas deixam de pensar e ouvir para executar e falar, tornam-se máquinas fazedoras de tarefas que cumprem scripts descritos em livros e manuais, que colocam a doença no centro do tratamento, e não o cliente. Todos os profissionais de saúde que atuam na assistência deveriam estudar – e muito! – os estágios de motivação para mudanças comportamentais dos autores James Prochaska e Di Clemente. Uma das chaves da forma de conduzir a abordagem, conduta e conversa com o cliente, é através de perguntas bem colocadas e uma escuta apurada, compreender em qual dos estágios a pessoa se encontra para cada um dos comportamentos de risco que ela tem, e só então orientar, conduzir, ou melhor ainda, escutar o que a própria pessoa sugere como passo inicial, e incentivá-la a caminhar com as próprias pernas. Para aquele paciente que chegou recém diagnosticado com diabetes tipo 2, eu teria perguntando: “O senhor entende o que é diabetes? Consegue interpretar os resultados dos seus exames? Conhece as formas de tratamento? Entende como os alimentos interferem no controle da doença?”. E assim, alternando perguntas abertas com educação em saúde – sim, chegaremos no ponto da contagem de carboidratos e índice glicêmico, mas com certeza não na 1ª consulta – conhecemos melhor quem é aquela pessoa, encorajamos que ela conviva com a doença de uma forma tranquila, e aumentamos a adesão ao tratamento como um todo. Provavelmente uma mudança que poderia não acontecer nunca pode aflorar deste acompanhamento mais humanizado.
Para saber mais: estudar o modelo transteorico de Prochaska e Di Clemente e os fundamentos da Entrevista Motivacional. A sua raiva dos pacientes pouco aderentes vai desaparecer, e eles não vão mais faltar ou desistir do acompanhamento.